Suponhamos uma longa estrada, em cujo percurso encontra-se, da distância em distância, mas com intervalos desiguais, florestas que é preciso atravessar. Na entrada de cada floresta, a estrada larga e bela é interrompida e só na saída é que continua.
Um viajante segue por aquela via e chega à primeira floresta; aí, porém, não encontra caminho, mas um Dédalo, onde se perde. A claridade o sol não penetra e a espessa abóbada formada pelas árvores; ele caminha sem rumo; porém, afinal, depois de inauditas fadigas, chega aos confins da mata, mas chega alquebrado pelo cansaço, com as carnes rasgadas pelos espinhos, os pés feridos pelas pedras. Ali torna a encontrar o caminho e a luz, e prossegue em sua marcha tratando de curar-se das feridas. Mais longe depara com a segunda floresta, onde o esperam as mesmas dificuldades; já tem, porém, um pouco de experiência e rompe o matagal sem ferir-se muito. Noutra, encontra um lenhador, que lhe indica a direção e o impede de perder-se.
Dai por diante, aumenta a sua habilidade, os obstáculos são mais facilmente vencidos e seguro de encontrar na saída o caminho desbravado, alenta-se com esta confiança. Finalmente, já possui e precisa orientação para achá-lo. O caminho termina no cume de alta montanha, de onde ele distingue toda a caminhada que fez, desde o ponto de partida, assim como vê as floretas que atravessou e recorda as vicissitudes por que passou. Essa recordação, porém, não lhe é penosa, visto como já chegou ao fim da viagem; é como o velho soldado que, na calma do lar doméstico, recorda as batalhas a que assistiu.
As florestas esparramadas pelo caminho são para ele pontos negros numa fita branca; diz – “Quando estava ali, principalmente na primeira, como me pareciam longo! Parecia-me que não chegava ao fim; tudo era gigantesco e inextricável em torno de mim. E quando penso que, sem aquele bom lenhador que me ensinou o caminho, ainda andaria hoje por lá! Mas agora, que as contemplo daqui, como me parecem pequenas aquelas florestas, tão pequenas, que me bastariam alguns passos para poder atravessar! E quanto mais as contemplo e lhes reparo nas minúcias, mais falso me parece o juízo que fiz delas”.
Aparece-lhe então um velho, que lhe fala assim: - Filho eis está no termo da viagem; mas o repouso indefinido causar-te-ia brevemente mortal enjôo e far-te-ia ter saudades daquelas vicissitudes por que passastes e que davam atividade ao corpo e à alma. Vês daqui um sem número de viajantes no caminho que percorrestes, os quais, como tu, correm o perigo de perder-se. Tens a experiência, nada mais temes; vai procurá-los e esforçar-te por guiá-los com os teus conselhos, a fim de que cheguem mais cedo.
- Com sumo gostoso, responde o homem, mas qual a razão de não haver um caminho reto do ponto de partida até aqui? Isso pouparia aos viajantes o incômodo de atravessar aquelas abomináveis florestas.
- Filho, torna-lhe o velho, pensa bem e verás que muitas são as pessoas que as evitam; aquelas que, tendo já adquirido a necessária experiência, sabem escolher um caminho mais direto e mais curto; essa experiência, porém, é o fruto do trabalho durante as primeiras travessias de maneira que eles não vêm ter aqui senão por obra de seus méritos.
- Que seria de ti se não houvesse experimentado? A atividade que precisastes desenvolver os recursos de imaginação que te foram precisos para abrires o caminho aumentou-te os conhecimentos e desenvolveram-te a inteligência. Sem isto ainda serias tão insciente como no dia da partida. E, ainda, esforçando-te por vencer os empecilhos, contribuístes para o melhoramento das florestas, que atravessastes. O que fizestes é pouco, é imperceptível; mas pensa nos milhares de viajantes que têm feito outro tanto e que, trabalhando para si, trabalham sem que o saibam, pelo bem comum. Justo é que receberam o salário do trabalho, no descanso que aqui gozam. Que direito haveria a esse descanso se nada tivessem feito?
- Meu pai, responde-lhe o viajante, em uma destas florestas encontrei um homem, que me disse: “Há ali um abismo, que é preciso vencer de um salto; mas entre mil viajantes, só um o transpõe, os outros caem no fundo duma fornalha ardente e ficam perdidos sem remissão”. Eu, porém, não vi tal abismo.
- Não existe o abismo, meu filho; a não ser assim, seria uma cilada abominável armada aos viajantes, que vêm à minha casa. Bem sei que muitas são as dificuldades por vencer; mas sei também que cedo ou tarde as vencerão.
- Se eu tivesse criado impossibilidade para um só homem que fosse, sabendo que ele sucumbiria, teria praticado uma crueldade; quanto mais se as tivesse criado para tantos. Esse abismo é uma alegoria, cuja explicação vou dar-te. Olha para a estrada, no intervalo das florestas; entre aqueles que por ela transitam vês uns que marcham, lentamente com o ar alegre, vês aqueles amigos que se perderam de vista no labirinto, como são felizes de se encontrarem na saída; mas, ao lado dele há outros que se arrastam penosamente; estão estropiados e imploram a piedade dos transeuntes, porque sofrem cruelmente das feridas que, por culpa sua, fizeram através dos espinhais; serão curados e isto lhes servirá de lição para quando tiverem de atravessar nova floresta, da qual sairão menos contundidos.
- O abismo é a figura dos males que sofrem, e dizendo que em mil só um o vence, i homem teve razão, porque infinito é o número dos imprudentes. Claudicou, porém ao informar que uma vez caído, ninguém logra sair daquele báratro. Há sempre uma saída para aqueles que querem vir a mim. Vai, meu filho, vai ensinar a saída aos que estão no fundo do pego; vai alentar aqueles que se estão ferindo no trajeto, vai ensinar o caminho àqueles que estão atravessando a floresta. (2*).
A estrada é a figura da vida espiritual da alma, em cujo percurso o viajante é mais ou menos feliz; as florestas são as existências corpóreas, em que ele trabalha no próprio e no geral progresso; se alcançou o termo da viagem e volta para ajudar aqueles que ficam para trás, que ainda se debatem, é o anjo da guarda, missionário de Deus, em cuja presença encontra felicidade, como a encontra também na atividade, na prática do bem e na obediência ao Supremo Senhor.
Do Livro “Obras Póstumas”
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