quarta-feira, 13 de novembro de 2019

NEM SEMPRE POSSO OUVIR VOCÊS


Nem sempre posso ouvir vocês
                                                                                                                                                              ( Joy Zelonky )

                 Eu tinha medo de ser diferente demais das outras crianças para poder ser feliz um dia.
                 Uso um aparelho auditivo porque ouço muito mal. Quando era bem pequena, fui para uma escola especial, onde só havia crianças como eu. Depois comecei a frequentar uma escola comum.
                 No primeiro dia de aula, estava tão nervosa que mal consegui colocar o meu aparelho auditivo.
              Minha mãe ajudou-me a encontrar minha sala. Depois, foi para o trabalho.
                 __Olá – disse o professor, quase gritando. __ Sou o professor Vitor. Seja bem-vinda.
              __Olá ! Hum... Professor Vitor, não precisa falar tão alto. Nem tudo eu posso ouvir, mas posso ouvir bastante.
                 Ele sorriu para mim.
              Esta é a kim – disse para as outras crianças – Ela é sua nova colega.
                 A primeira aula foi de aritmética. O professor Vitor escreveu no quadro e as crianças que sabiam as respostas levantaram a mão.
                 Sou boa em aritmética. Logo ergui a mão.
                __ Kim?
                __ Oito tirando três são cinco.
                A classe toda caiu na risada.
                __ Está errado?
                __ Está certo - disse o professor, - Oito tirando três são cinco.
                __ Tirando – repeti.
                 O professor Vitor começou a escrever outro problema no quadro. Depois , com calma, virou-se para a turma:
                __ Eu uso óculos – disse. – alguns de vocês também usam. Os óculos nos ajudam a ver melhor.
                Senti meu rosto corar
                __ Os ouvidos de Kim não funcionam tão bem quanto os nossos – continuou ele. – Ela usa um aparelho auditivo para ouvir melhor, assim como nós usamos óculos para vê melhor. Mas, mesmo com aparelho, há muitos sons que ela nunca ouviu. Isso pode tornar difícil  falar. Agora que expliquei, espero que compreendam.
                Ao mesmo tempo que fiquei embaraçada, fiquei também contente porque o professor Vitor falou assim. Detesto que riam de mim.
                 Na hora do lanche, um menino chamado Erick sentou-se ao meu lado.
                __ O que é essa coisa no seu ouvido?
                __ É parte do meu aparelho auditivo, chamado molde de ouvido. Faz os sons ficarem mais altos.
                __ Oh, é mesmo? Pensei que  você era um robô.
                Levantei-me:
                __ Vejam só quem fala! E você que tem a boca cheia de metal?
                __É o aparelho pra corrigir os dentes... – ia dizendo Erick, mas eu já estava saindo da sala.
                Naquela noite, tive uma longa conversa com mamãe, enquanto trabalhávamos em nossa colcha.
                __ Sou a única pessoa no mundo com um aparelho auditivo – queixei-me. – E todos me tratam de maneira diferente por isso.
                __ Todas as pessoas têm algo diferente nelas – respondeu mamãe. —Tudo que precisam fazer é acostumar-se umas com as outras. [...]
                No dia seguinte eu estava no recreio quando uma bola caiu aos meus pés.
                __ Machucou? –gritou  Erick, aproximando-se.
                 Eu quase respondi: “! Por quê? Estava tentando?”
                 Em vez disso, joguei a bola para ele e disse:
                 __ Errou por pouco.
                Ele se aproximou:
                __ Posso ver seu aparelho auditivo?
                O molde do ouvido fez um ruído sibilante quando Erick o examinou. Ele esperou até eu recoloca-lo no ouvido e disse: 
                 __  É realmente interessante. Sabe, no princípio achei você muito esquisita. Mas agora,bem, estou contente porque está na minha classe.
                __ Obrigada. É difícil explicar mas  acho que sou um pouco diferente...
                __ Você não ouve nada sem o aparelho?
                __ Ouço um pouco. Ponha as duas mãos sobre os ouvidos e tente ouvir assim.
                Erick  experimentou.
                __ Dá pra ouvir, mas mal.
                __ É assim que eu ouço.
                __ Bom, você não é mais diferente do que eu, que uso aparelho nos dentes – disse Erick.
                __ Ou do que eu, que sou tão alta – disse uma menina chamada Sasha.
                __ Ou do que eu ,que sou filho adotivo – disse um outro menino, aproximando-se.
                __ Ou do que eu, que não tenho televisão em casa.
                De repente, estávamos cercados por uma porção de crianças, cada uma querendo contar a sua diferença.
                O sino tocou.
                Quando saímos correndo para a aula,eu fui reparando como cada criança corria de um modo diferente das outras.
                Não saí da escola, claro.



Nenhum comentário:

Postar um comentário